Nicodemos, Jesus e o Vento da Conscientização: O Parto do Novo Nascimento
“A libertação, por isto, é um parto. Um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo: não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se.”
— Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido
Introdução: O Parto de um Novo Mundo
A metáfora do parto doloroso em Freire ecoa o diálogo noturno entre Jesus (Yeshua) e Nicodemos (João 3). Ambos falam de uma transformação radical — seja na sociedade (Freire) ou no coração (Jesus) —, mas uma análise mais profunda revela que essas dimensões não estão separadas.
Este estudo propõe uma leitura integrada dos dois pensadores, desafiando dicotomias entre “espiritual” e “material”.
1. Quando o Espírito Sopra e Vira Furacão
Há algo subversivo no vento. Ele não se explica. Não pede licença. Não tem origem visível nem controle. Foi com essa imagem que Yeshua respondeu a Nicodemos, o mestre da lei, ao dizer:
“O vento sopra onde quer. Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” (João 3:8)
A metáfora é poética, mas política. A conscientização — como diria Freire — é como o vento: sopra onde quer, mas às vezes se transforma em furacão. Quando o Espírito invade, ele desestrutura zonas de conforto, ergue comunidades e destitui poderes. Ninguém sabe de onde veio, nem para onde vai — mas ninguém sai ileso.
2. Nicodemos: O Homem Noturno
Nicodemos chega de noite. A noite é o lugar da hesitação, da ambiguidade. Ele é fariseu, mestre respeitado, mas quer entender esse “nascimento do alto” do qual Jesus fala.
Mas não entende.
“Como pode alguém nascer, sendo velho?” (João 3:4)
Essa pergunta é legítima. E trágica. Nicodemos representa todos os que vivem presos a estruturas caducas — religiosas, políticas, educacionais. Gente que tem poder, mas não sabe mais o que é nascer de novo. Gente que já decorou a Lei, mas desaprendeu a escutar o Espírito.
3. O Parto da Palavra
Yeshua, por outro lado, não responde com lógica. Ele fala com imagens. Fala como quem planta sementes no deserto:
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“Nascer da água” → é romper com a vida anterior. A água do batismo é também a água do útero.
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“Nascer do Espírito” → é deixar que Deus nos reeduque por dentro.
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“O vento sopra onde quer” → é aceitar que a libertação não se controla. Ela arrebenta.
O Evangelho de João não está apenas anunciando uma crença. Está descrevendo um processo de parto. Não é o nascimento de uma religião. É o nascimento de um novo ser humano.
4. A Palavra se Fez Colaboração
Quando o texto diz “o Verbo se fez carne” (Jo 1:14), ele também poderia dizer: “a colaboração se fez carne”. Porque Jesus não apenas ensinou — ele viveu com os pobres, tocou os intocáveis, comeu com os excluídos. Ele não trouxe ideias para serem pregadas em púlpitos: trouxe vida para ser partilhada.
Esse “Verbo” não era uma doutrina: era a própria coexistência viva. Era a pedagogia encarnada. Era Freire antes de Freire, mas já dizendo: “Ninguém se salva sozinho.”
5. Yeshua e Freire: A Palavra Que Liberta
Tanto Yeshua quanto Freire sabiam que a palavra sem corpo é opressão. E que a carne sem consciência é dominação. Só quando o Verbo vira prática — quando a linguagem se faz ação — nasce a liberdade.
Freire chamou isso de práxis libertadora.
Jesus chamou de Reino de Deus.
6. O Nascimento Depois da Noite
Nicodemos reaparece duas vezes depois desse encontro noturno:
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Defende Jesus discretamente (Jo 7:50).
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Depois da crucificação, traz perfumes para sepultar o corpo de Jesus (Jo 19:39).
O homem da noite se torna o homem da luz. Sai da hesitação para o risco. Do discurso para a ação.
Ele nasceu de novo.
7. O Espírito Não Pede Licença
Assim como o vento, a consciência também sopra onde quer. Às vezes vem por uma conversa. Outras vezes, por uma dor. Às vezes, pela fé. Outras, pela luta.
Yeshua e Freire sabiam disso.
Um chamou de Espírito.
O outro chamou de Consciência.
Mas ambos sabiam: ninguém volta o mesmo depois que o parto começa.
Para Meditar:
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E você? Está ainda visitando Jesus à noite? Ou já começou o parto?
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A sua espiritualidade gera corpo? Comunidade? Ação?
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Quem são os Nicodemos de hoje — e quem são os Yeshuas que os desafiam?
“Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão.” — Paulo Freire
“O Reino de Deus está entre vós.” — Yeshua (Lucas 17:21)
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