📖 “Não Julgueis, para que Não Sejais Julgados” – Uma Análise Linguística e Exegética

A passagem de Mateus 7:1, “Não julgueis, para que não sejais julgados”, é frequentemente citada, mas seu significado profundo permanece obscuro para muitos. Qual era a intenção de Yeshua ao proferir essas palavras?
Como sua advertência se harmoniza com os princípios da Torá e da tradição judaica sobre o juízo? Para responder a essas questões, mergulharemos nas raízes linguísticas do texto grego, hebraico e aramaico, revelando nuances que esclarecem a mensagem original.
📜 Contexto Linguístico: O Verbo “Julgar” nas Línguas Bíblicas
Texto Grego (Textus Receptus):
Μὴ κρίνετε ( krínete), ἵνα μὴ κριθῆτε· ἐν γὰρ ᾧ κρίματι κρίνετε, κριθήσεσθε· καὶ ἐν μέτρῳ ᾧ μετρεῖτε, μετρηθήσεται ὑμῖν.
(Mē krínete, hina mē krithēte – “Não julgueis, para que não sejais julgados”).
- Κρίνετε (krínete): Imperativo negativo do verbo κρίνω (krínō), que abrange três sentidos principais:
- Julgamento legal (como em um tribunal).
- Tomada de decisão (discernir entre certo e errado).
- Censura moral (reprovar ou condenar alguém).
No contexto de Mateus 7:1, o uso de κρίνω aponta para reprovação hipócrita – uma crítica severa que ignora as próprias falhas. A estrutura gramatical (imperativo negativo + subjuntivo) enfatiza uma proibição contundente: “Não comeceis a julgar dessa maneira”.
Hebraico e Aramaico: דין (din) e sua Influência
Yeshua, falando em aramaico, provavelmente usou a raiz דין (din), que no Tanach (Antigo Testamento) significa:
- Julgar formalmente (como em tribunais – Deuteronômio 16:18).
- Contender ou disputar (Gênesis 6:3: “Meu Espírito não contenderá [יָדוּן, yadún] para sempre com o homem”).
Na Peshitta (Novo Testamento em aramaico), Mateus 7:1 é traduzido como ܠܐ ܬܕܘܢܘܢ (la tedunun), derivado de דין. Esse termo carrega a ideia de censura implacável, como em Salmo 50:16-17, onde Elohim repreende os ímpios por recitarem leis enquanto rejeitam a disciplina.
O Julgamento Condenatório e Hipócrita
📌 Definição:
🔹 Expressar desaprovação moral de forma severa sem considerar os próprios erros.
🔹 Criticar os outros de maneira implacável e destrutiva.
📜 Exemplo no Tanach – Salmo 50:16-17
“וְלָרָשָׁע אָמַר אֱלֹהִים מַה־לְּךָ לְסַפֵּר חֻקָּי וַתִּשָּׂא בְרִיתִי עַל־פִּיךָ׃ וְאַתָּה שָׂנֵאתָ מוּסָר וַתַּשְׁלֵךְ דְּבָרַי אַחֲרֶיךָ׃”
“Mas ao ímpio diz Elohim: Que direito tens de recitar meus estatutos e levar minha aliança em tua boca? Pois tu odeias a disciplina e lanças minhas palavras para trás de ti.”
📌 Paralelo com Mateus 7:1: O julgamento hipócrita dos outros, sem olhar para si mesmo, é rejeitado por Elohim.
⚖️ Dois Tipos de Julgamento na Tradição Bíblica
1. O Julgamento Condenatório (Proibido por Yeshua)
Yeshua condena especificamente o julgamento hipócrita – aquele que:
- Ignora a autoavaliação: “Por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu próprio olho?” (Mateus 7:3).
- Destrói sem edificar: Criticar sem oferecer misericórdia ou correção fraterna.
Paralelo no Talmude (Sanhedrin 100a:17):
“É ensinado em uma tradição que Rabi Meir diz: ‘De acordo com a medida que uma pessoa mede para os outros, o tribunal celestial mede para ela.”
– um eco direto de Mateus 7:2, confirmando que a reciprocidade no juízo é um princípio arraigado no pensamento judaico.
2. O Julgamento Justo (Ordenado pela Torá)
A Torá não apenas permite, mas exige o discernimento ético:
Deuteronômio 16:18-19:
“Juízes e oficiais colocarás em todas as tuas cidades… para que julguem o povo com juízo de justiça”.
Yeshua não contradiz a Torá; pelo contrário, refina o conceito: o julgamento deve ser imparcial, misericordioso e precedido por autocrítica (Mateus 7:5).
🔄 A Reciprocidade do Julgamento Divino
Na Peshitta aramaica, a ordem de Mateus 7:1-2 pode ser lida de forma invertida:
“Com a medida que julgais, sereis julgados. Portanto, não julgueis”.
Essa estrutura destaca a causalidade:
- Criticar sem misericórdia atrai um juízo igualmente rigoroso (Tiago 2:13).
- Perdoar e corrigir com amor reflete o caráter divino (Lucas 6:36-37).
🎯 Conclusão: O Que Yeshua Realmente Quis Dizer?
- Não é uma proibição absoluta: Julgamentos justos (como os ordenados em Deuteronômio) são necessários.
- É um alerta contra a hipocrisia: A censura severa, desprovida de autocrítica, é condenada.
- A medida divina é reflexiva: “Com a medida com que medis, vos medirão” (Mateus 7:2).
✨ Síntese Final:
Yeshua não abole o discernimento moral, mas convoca seus seguidores a julgar como Elohim julga: com equidade, misericórdia e humildade (Miqueias 6:8).
📚 Fontes da Pesquisa:
- Texto Grego: Novum Testamentum Graece (Textus Receptus).
- Texto Hebraico: Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS).
- Peshitta Aramaica: The Aramaic New Testament (Tradução de George Lamsa).
- Talmude Babilônico: Tratado Sanhedrin.
- Comentários: David Flusser, Judaism and the Origins of Christianity; Brad H. Young, The Jewish Background to the Lord’s Prayer.
צֶדֶק צֶדֶק תִּרְדֹּף – “Justiça, justiça seguirás!” (Deuteronômio 16:20).
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