✡️ Elohim em Gênesis: Quando o plural não é plural
Vamos começar pelo que é familiar para nós: o português.
Quando você vê uma palavra terminada em -s, qual a primeira ideia que vem? Provavelmente “plural”, certo? Como em casas, flores, pássaros.
Mas… e se eu te disser que o -s nem sempre marca plural de quantidade?
Veja esta palavra -> falas.
Aqui, o -s não está dizendo que há “vários falam”, mas que a ação do verbo está na segunda pessoa do singular do presente do indicativo.
Ou seja, a mesma forma (-s) pode ter funções diferentes dependendo do contexto. Isso é chamado em morfologia de morfe homônimo.
Agora vamos para o hebraico bíblico.
Em hebraico, a terminação -im é o marcador padrão de plural masculino.
Se eu digo malachim (מלאכים), estou falando de “anjos” no plural. Se digo yamim (ימים), são “dias” no plural.
Então, quando alguém lê Elohim (אֱלֹהִים), é natural pensar: “Isso é plural, logo são vários deuses”.
Mas… será que é isso mesmo?
Vamos abrir Gênesis 1:1:
בְּרֵאשִׁית בָּרָא אֱלֹהִים (Bereshit bara Elohim)
“No princípio, criou Deus…”
Aqui está o ponto-chave: o verbo bara (בָּרָא) — “criou” — está na terceira pessoa do singular.
Se Elohim fosse plural de fato, o verbo deveria estar no plural (baru — “criaram”).
Mas não está. O texto é claro: um só sujeito está agindo.
O que está acontecendo aqui?
Aqui também temos um caso de morfe homônimo: a mesma terminação -im que normalmente indica plural, mas que aqui expressa qualidade, não quantidade.
Esse uso é chamado de plural majestático — um recurso linguístico para enfatizar grandeza, supremacia e plenitude de atributos.
Em outras palavras:
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Elohim em Gênesis não quer dizer “muitos deuses”.
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Quer dizer “o Deus supremo, o Todo-Poderoso”, usando a forma plural para exaltar Sua majestade.
📖 Outros textos confirmam que estamos falando de um único Deus:
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Deuteronômio 6:4 — Shemá Israel, Adonai Eloheinu, Adonai Echad — “Ouve, Israel, Adonai é o nosso Deus, Adonai é um.”
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Isaías 45:5 — Ani YHVH, ve’eyn od — “Eu sou YEHOVAH, e não há outro.”
E para nós, na fé judaico-messiânica unicista, isso encaixa perfeitamente:
O mesmo Elohim que criou todas as coisas é um só, indivisível, mas pode se manifestar de diversas formas ao longo da história.
A maior dessas manifestações foi Yeshua — não outro Deus, mas o próprio Eterno tornando-Se visível entre os homens.
Assim como o -im em Elohim não indica quantidade, a pluralidade de manifestações não indica pluralidade de pessoas divinas. O Eterno é Echad — absolutamente um.
Morfe -S em português
- Em “casas”, o -s indica plural real — várias casas.
- Em “amas” (do verbo amar, 2ª pessoa do singular do presente: “tu amas”), o -s tem a mesma forma, mas não indica plural, e sim uma marca verbal — ou seja, uma função totalmente diferente.
- Portanto, o -s é um morfe homônimo: mesma forma, funções diferentes (plural nominal vs. pessoa verbal).
Morfe -im em hebraico
- Em “Elohim”, o -im é a terminação plural típica — isso é a forma plural.
- Mas, no contexto, essa forma plural não indica plural numérico real, e sim uma qualidade (majestade, poder) — um plural majestático.
- Ou seja, o morfe plural -im aqui é um morfe homônimo: mesma forma plural, mas função de expressar qualidade, não quantidade.
Então:
Ambos são exemplos onde a mesma forma morfológica tem funções diferentes:
- Em português, o -s pode ser plural nominal ou marca verbal.
- Em hebraico, o -im é plural morfológico, mas às vezes funciona como plural majestático (qualidade), não plural numérico.
Esse paralelo ajuda a entender como a forma pode enganar — é o contexto que determina o sentido real.
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