Bereshit: O Princípio no Hebraico Bíblico e o Archê Filosófico

O termo hebraico “Bereshit” marca o início do Gênesis e carrega um significado que vai além de um mero começo temporal, apontando para a ação criadora divina.
Na Septuaginta, foi traduzido como “En Arche“, conectando-se ao conceito filosófico grego de “Arche“, o princípio fundamental da realidade.
A palavra hebraica “Bereshit” abre o livro do Gênesis, marcando o início da narrativa da criação: “No princípio, Deus criou os céus e a terra” (Gênesis 1:1). A raiz da palavra, “rosh” (ראש), significa “cabeça” ou “princípio“, sugerindo um começo temporal.
No entanto, “Bereshit” não se limita a um simples marco cronológico. No contexto bíblico, ela carrega uma carga teológica profunda: é o ponto onde o Deus transcendente inicia a criação do universo a partir do nada (ex nihilo).
O hebraico bíblico, com sua economia de palavras e riqueza de significados, convida a uma leitura que vai além do literal. “Bereshit” não apenas descreve um momento no tempo, mas também aponta para a ação criativa de Deus como a fonte de toda a existência.
Essa ideia de um princípio divino e ordenador ecoa em outras tradições, incluindo a filosofia grega.
En Arche: A Tradução Grega na Septuaginta
A Septuaginta, a tradução grega da Bíblia Hebraica feita no século III a.C., traduz “Bereshit” como “En Arche“. A palavra grega “Arche” (ἀρχή) tem um significado mais amplo e filosófico do que o hebraico “Bereshit”.
Enquanto “Bereshit” enfatiza um começo temporal, “Arche” pode significar “princípio”, “origem”, “causa primária” ou até mesmo “fundamento”.
Essa tradução não é meramente linguística, mas também cultural. Ao escolher “Arche”, os tradutores da Septuaginta conectaram a narrativa bíblica ao pensamento grego, onde “Arche” era um conceito central na busca pelos princípios fundamentais da realidade.
Essa escolha linguística abriu caminho para uma interpretação filosófica do Gênesis, sugerindo que o “princípio” bíblico poderia ser entendido como um princípio metafísico, não apenas temporal.
Arche na Filosofia Pré-Socrática
Os filósofos pré-socráticos, como Tales de Mileto, Anaximandro, Heráclito e Parmênides, buscavam identificar o “Arche” — o princípio primordial que explica a origem e a natureza da realidade. Cada filósofo propôs uma resposta diferente:
- Tales de Mileto via a água como o Arche, o elemento fundamental de todas as coisas.
- Anaximandro propôs o “apeiron” (o ilimitado) como o princípio originário.
- Heráclito identificou o fogo como o Arche, simbolizando a mudança constante.
- Parmênides defendia que o Ser era a única realidade imutável, o princípio eterno e imutável.
Esses filósofos compartilhavam a ideia de que o Arche não era apenas um elemento material, mas também um princípio ordenador, uma causa primeira que sustenta e explica a multiplicidade do mundo.
A Conexão: Bereshit, En Arche e o Arche Filosófico
A tradução de “Bereshit” para “En Arche” na Septuaginta estabeleceu uma ponte entre a cosmogonia bíblica e a cosmologia filosófica grega.
Enquanto o Gênesis enfatiza a ação criativa de Deus como a origem de todas as coisas, os pré-socráticos buscavam uma explicação racional para o princípio do universo.
A palavra “Arche”, comum a ambos os contextos, sugere uma convergência entre a ideia de um princípio divino e a busca filosófica por uma causa primária.
Essa conexão não é apenas linguística, mas também conceitual. Tanto a narrativa bíblica quanto a filosofia pré-socrática reconhecem a existência de um princípio fundamental que dá origem e sustenta a realidade.
No entanto, enquanto os pré-socráticos buscavam esse princípio na natureza ou na razão, o Gênesis o atribui a um Deus transcendente e pessoal.
Implicações Filosóficas e Teológicas
A conexão entre Bereshit, En Arche e o Arche dos pré-socráticos nos convida a refletir sobre a relação entre fé e razão, revelação e filosofia.
A tradução da Septuaginta pode ser vista como um exemplo precoce de diálogo entre tradições diferentes, onde conceitos teológicos e filosóficos se influenciam mutuamente.
Além disso, essa conexão ressalta a universalidade da busca humana pela origem e pelo significado. Seja através da narrativa bíblica ou da especulação filosófica, a humanidade sempre buscou compreender o princípio de todas as coisas.
Essa busca continua relevante hoje, inspirando reflexões sobre a natureza da realidade, a existência de Deus e o lugar do ser humano no universo.
Conclusão
A jornada de “Bereshit” a “En Arche” e ao “Arche” dos pré-socráticos revela uma profunda interconexão entre linguagem, teologia e filosofia.
Ao explorar essas conexões, podemos apreciar a riqueza das tradições hebraica e grega, e reconhecer que a busca pelo princípio primordial é uma expressão da nossa humanidade compartilhada.
Seja através da fé, da razão ou de ambas, continuamos a buscar respostas para as perguntas mais fundamentais da nossa existência.
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