Bereshit: O Mistério do Vazio e da Criação

Bereshit: O Mistério do Vazio e da Criação

O primeiro capítulo de Gênesis (ou Bereshit, בְּרֵאשִׁית) não é apenas um relato histórico da criação do mundo, mas um texto repleto de paralelismos, figuras poéticas e símbolos profundos.

Entre suas palavras ecoam conceitos que dialogam com a linguística, a filosofia grega, a psicologia da educação, a literatura e até mesmo a mística judaica.

Mas um dos maiores mistérios que tem intrigado estudiosos há séculos é a aparente contradição no estado inicial da terra.

🔍 Se Deus criou todas as coisas em perfeição, por que o verso de Gênesis 1:2 nos diz que “a terra era sem forma e vazia” (תֹהוּ וָבֹהוּ, tohu vavohu)? Como algo criado pelo Perfeito pode começar no caos?

Vamos explorar esse tema através das lentes do hebraico bíblico, da Septuaginta, do aramaico, e da filosofia clássica, para desvendar uma nova compreensão sobre a Criação.

📜 A Linguagem Hebraica e os Mistérios da Tradução

Um erro comum ao interpretar Gênesis 1:2 é ignorar a função da letra וְ (vav). Essa partícula pode ter função aditiva (“e”) ou adversativa (“mas”), alterando completamente o sentido do verso.

🔠 Correção da Tradução

A maioria das versões traduzem como:

“E a terra era sem forma e vazia…”

Porém, em hebraico bíblico, essa vav deve ser interpretada como adversativa:

“Mas a terra estava desabitada e vazia…”

Isso muda o significado: ao invés de um estado natural da criação, temos uma condição provisória, contrastando com o ato criador de Deus.

Outro ponto essencial é o verbo הָיְתָה (hayetah), que significa “era/estava” e não “tornou-se”. Alguns defensores da Teoria do Lapso argumentam que a terra teria se tornado caótica por causa da queda de Lúcifer, mas essa interpretação não se sustenta gramaticalmente.

📖 Confirmando pelo Targum Aramaico
O Targum Onkelos (tradução aramaica da Torá) traduz Gênesis 1:2 como:

“Mas a terra era desabitada e vazia.”

Ou seja, não havia um caos, mas um estado de potencialidade.

🏛️ Filosofia Grega e a Criação: O Uno e o Vazio

A filosofia grega também nos oferece pistas para interpretar esse “vazio primordial”.

🔹 Platão → A matéria sem forma (hylé) precisa da ação do Demiurgo para adquirir ordem.
🔹 Plotino → O Uno é perfeito e ilimitado, mas para que algo exista fora dele, deve haver um espaço criado pelo próprio Uno – uma espécie de autolimitação divina (tzimtzum na mística judaica).

Essa ideia ressoa com a tradição rabínica que diz que Deus, sendo infinito, precisou “retrair-se” para permitir a criação.

🎶 Paralelismo Poético: O Significado de “Tohu Vavohu”

O hebraico bíblico frequentemente utiliza paralelismo poético. Em tohu vavohu temos uma anáfora – repetição de ideias para reforçar um conceito.

🔍 Em Deuteronômio 32:10, encontramos um uso semelhante:

“Achou-o numa terra deserta, em um ermo solitário (tohu).”

Aqui, tohu não significa “sem forma”, mas “desabitado”.

📖 Na Septuaginta (tradução grega do AT), tohu foi traduzido como ἀόρατος καὶ ἀκατασκεύαστος → “aóratos kaì akataskeúastos”, “invisível e não preparada (não terminada)”, ou seja, um estado inicial em desenvolvimento, não um caos.

📢 Conclusão: O verso não diz que a terra estava em desordem, mas que ainda não havia sido terminada e recebido vida.

🧠 Psicologia da Aprendizagem e a Criação: O Vazio como Espaço para o Novo

Na psicologia da educação, a teoria da Gestalt ensina que nossa percepção ocorre por padrões organizados. Assim, o vazio não é ausência, mas um espaço de possibilidades.

👶 Exemplo: Um professor não “despeja” conhecimento em um aluno, mas cria um ambiente onde ele pode estruturar o próprio aprendizado.

Paralelo teológico: Deus, como Mestre supremo, não criou um mundo já “acabado”, mas um espaço onde a vida pudesse ser gerada e moldada.

🏗️ O Tzimtzum: Deus Criando um Espaço para o Mundo

Na mística judaica (Cabala), existe um conceito chamado Tzimtzum (צמצום), que descreve como Deus “recolheu” Sua presença para criar o mundo.

“A escultura já está completa dentro do bloco de mármore, antes mesmo de eu começar. Tudo o que faço é retirar o mármore em excesso.” Michelangelo.

💡 Analogias:
🔹 O escultor e a estátua – Um bloco de mármore já contém uma estátua dentro dele; o artista apenas “remove” o excesso.
🔹 O espaço do teatro – Antes de uma peça começar, o palco está vazio; mas esse vazio é essencial para que algo aconteça.

🔥 Conclusão: O Bereshit e a Revelação Progressiva

A criação não começa no caos, mas no potencial. Deus cria um espaço para que a vida possa surgir.

🔹 Tohu vavohu não significa “desordem”, mas um estado inicial ainda não preenchido.
🔹 O vav adversativo indica um contraste, não uma sequência.
🔹 A criação segue um processo educativo, onde o mundo é moldado e preenchido progressivamente.

Assim, Bereshit não nos ensina sobre um “erro” na criação, mas sobre um Deus que inicia um processo contínuo de aperfeiçoamento. E, assim como a criação, nossa vida espiritual também passa por fases de formação e desenvolvimento.

🙌 Que possamos permitir que Deus molde nosso “tohu vavohu” interior, transformando nosso vazio em plenitude!

📢 O que você acha dessa interpretação de Gênesis 1:2? Deixe seu comentário! ⬇️

Sobre o autor | Website

Israel Silva é apaixonado por hebraico, Torá e Judaísmo. É também autor de diversas mensagens e estudos bíblicos, professor graduado em Letras, leciona hebraico bíblico para estudantes, pastores e teólogos. Cursou o contexto judaico do Novo Testamento, Geografia da terra de Israel. É especialista em estudos da Bíblia Hebraica pelo Israel Instituto de Estudos Bíblicos.

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