A Declaração Ontológica de Isaías 9:6 e Sua Reconfiguração da Identidade Divina
1. Isaías 9:6: Uma Declaração Ontológica Subversiva
A expressão “Avi-Ad” (אֲבִי־עַד, “Pai da Eternidade”) em Isaías 9:6 transcende a mera retórica poética, constituindo-se como uma afirmação ontológica sobre a natureza do Messias. Essa fórmula linguística:
- Revela a pré-existência eterna do Messias como origem do tempo (Miquéias 5:2; João 1:1-3).
- Integra três dimensões da manifestação divina:
- Pai (אָב): A fonte transcendente, não temporal (Salmo 90:2).
- Filho (בֵּן): A encarnação histórica no continuum temporal (Gálatas 4:4).
- Espírito (רוּחַ): O princípio imanente de sustentação cósmica (Hebreus 1:3).
A encarnação, portanto, não é um ato de delegação a um “outro” divino, mas a autorrevelação de YHWH em corporeidade (1 Timóteo 3:16; João 1:14).
2. Yeshua: A Unidade Funcional na Dualidade de Manifestações
A teologia hebraica compreende a identidade messiânica como unidade dinâmica, não estática:
- Filho (בֵּן):
- Corporeidade limitada: Sujeição à temporalidade e à morte (Hebreus 2:9; Filipenses 2:7).
- Agente histórico: Cumprimento das promessas davídicas (Mateus 1:1; Lucas 1:32-33).
- Pai (אָב):
- Autoridade ontológica: Atuação do Espírito eterno através da natureza humana (João 14:10; Colossenses 1:19).
- Unidade indivisível: A dicotomia “Pai-Filho” é uma distinção funcional, não ontológica (Zacarias 14:9; João 10:30).
3. Crítica às Categorias Helenísticas e Defesa do Monoteísmo Hebraico
A leitura trinitariana, enraizada em pressupostos metafísicos gregos (como hypostasis e ousia), impõe uma estrutura alienígena ao texto bíblico. Em contraste:
- O pensamento hebraico opera com funções, não “pessoas” (פנים, panim), como atesta a linguagem de Isaías 9:6.
- Exemplo antropológico: Um indivíduo é “pai” para seus descendentes e “filho” para seus antepassados, sem fragmentação identitária.
- Yeshua não “compartilha” a divindade – Ele é a plenitude da divindade (Colossenses 2:9), manifestando-se em múltiplos modi operandi (Apocalipse 1:8; 22:13).
4. Resposta às Objeções: Superando o Dualismo Metafísico
A pergunta “Como o Filho pode ser o Pai?” pressupõe uma dicotomia grega entre transcendência e imanência, inexistente na cosmovisão hebraica. Respostas:
- Yeshua como Nome (שֵׁם):
- O tetragrama יהוה (Yehováh) revela-se como Salvador (Yeshua, Mateus 1:21), Juiz (João 5:22), e Redentor (Gálatas 3:13), sem multiplicar entidades.
- Dinamismo divino:
- Adonai é “o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hebreus 13:8), atuando como Pai na eternidade, Filho na história, e Espírito na criação.
Conclusão: Reafirmando o Monoteísmo Profético
Isaías 9:6 desestabiliza paradigmas teológicos pós-nicenos ao apresentar o Messias como síntese da unidade divina. A identidade de Yeshua não é um quebra-cabeça metafísico, mas a epifania de Adonai em carne – um convite a retornar à raiz hebraica da fé: “Ouve, Israel, Adonai é o nosso Deus, Adonai é um” (Deuteronômio 6:4).
Referências:
- LEIBOWITZ, Y. Fé, História e Valores. Ed. Perspectiva, 1998.
- KAUFMANN, Y. The Religion of Israel. University of Chicago Press, 1960.
- URBAN, D. Cristologia Hebraica. Editora Vida, 2021.
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