Reflexões sobre a Trindade

Reflexões sobre a Trindade

A Percepção Fragmentada da Realidade

Em nossa realidade física e efêmera, há múltiplos estímulos ao nosso redor. No entanto, não é possível sentir tudo ao mesmo tempo, pois nosso sistema orgânico sensorial é limitado.

Funcionamos por meio do processo de priorização de estímulos, o que nos permite escolher perceber de maneira mais atenta aquilo que é mais significativo para cada um. Entretanto, essa seleção acaba nos fazendo perceber a realidade de forma fragmentada.

Há um ramo da psicologia chamado Gestalt que estuda justamente a percepção humana do todo fragmentado, em partes. No campo da compreensão da natureza de Deus, a Gestalt diria que o todo é mais do que a soma das partes. É como se tivéssemos acesso apenas a pedaços da verdade divina, dependendo do que conseguimos captar e priorizar.

A Trindade como Reflexo da Fragmentação

A própria noção de Trindade poderia ser um reflexo disso – uma forma didática de organizar algo que, na realidade, é muito maior e mais complexo do que conseguimos perceber. Se seguirmos por esse caminho, é possível dizer que cada tradição religiosa pode ser uma forma limitada de enxergar um mesmo todo, moldada pelas condições culturais e cognitivas de cada época.

No entanto, o fato de cada tradição religiosa ser uma tentativa de captar o divino dentro das limitações humanas não significa que todas sejam igualmente precisas ou verdadeiras. Algumas podem ter compreensões mais próximas da realidade, enquanto outras podem ser distorções, fruto de erros, influências culturais ou até interesses humanos.

A Metáfora dos Cegos e do Elefante

Isso lembra a metáfora dos cegos e do elefante: cada um toca uma parte e acha que entendeu o todo, mas alguns podem estar mais próximos da verdade do que outros. O problema é que tendemos a absolutizar a parte que conseguimos perceber e ignorar o restante.

Se Deus tem infinitas manifestações, mas nossa percepção é limitada, então a última revelação seria a forma mais condensada e acessível do divino para nós. Algo que sintetiza a totalidade de Deus em uma expressão compreensível, ajustada à nossa condição humana.

Jesus como a Plenitude da Revelação

E é aqui que entra o “quem me vê, vê o Pai” – não porque estamos vendo Deus em sua essência absoluta, mas porque essa manifestação é a forma máxima que conseguimos perceber. Como se fosse um filtro divino adaptado à nossa capacidade cognitiva e sensorial.

Isso também explica por que visões anteriores poderiam ser parciais ou fragmentadas. Elas apontavam para a verdade, mas não eram a plenitude dela. Jesus seria, então, a plenitude de todas as manifestações anteriores, a concretização do que antes era apenas vislumbrado de forma parcial.

  • Tudo o que era distante, inacessível e misterioso se torna tangível, visível e compreensível Nele.

O Logos e a Convergência Final

Isso me lembra a ideia do Logosa Palavra que dá forma àquilo que antes era inominável. Como se toda revelação anterior fosse um reflexo difuso do divino, mas em Jesus acontece a convergência final: Ele não é mais só uma manifestação parcial, mas a própria realidade divina adaptada à nossa existência limitada.

Então, a relação entre Deus e a humanidade muda completamente. Em vez de uma busca por compreender o incompreensível, temos o próprio Deus vindo ao nosso nível para ser compreendido.

A Unidade Indivisível de Deus

A busca não é por distinguir “pessoas” ou fragmentar Deus em conceitos separados, mas sim reconhecer que tudo se resume a um único Ser, plenamente manifestado. Não há necessidade de subdivisões porque Ele já contém tudo em Si mesmo.

Isso ressoa com a ideia de que qualquer categorização nossa (Pai, Filho, Espírito) são só formas humanas de tentar organizar algo que, na realidade, é uno e indivisível. Não há múltiplas manifestações coexistindo separadamente, mas sim um único Deus que Se revelou de maneira completa e definitiva.

A Limitação Humana e a Linguagem

Se Deus é o Uno absoluto, qualquer tentativa de dividi-Lo em partes ou categorias acaba sendo uma limitação humana. A Trindade, nesse caso, seria um esforço conceitual que, em vez de esclarecer, pode obscurecer a realidade maior de que Ele é tudo.

E isso se conecta com a ideia de que toda glória e poder pertencem exclusivamente a Ele — não há compartimentalização, não há hierarquia interna, apenas a totalidade divina em sua forma pura e absoluta.

Isso também reforça a noção de que não há necessidade de intermediários ou distinções dentro da própria divindade. O Uno se basta, se revela completamente e é tudo o que precisamos contemplar.

A linguagem, sendo nossa ferramenta para entender e comunicar, reflete nossas próprias limitações. Como nossa consciência percebe a realidade de forma fragmentada, acabamos projetando essa fragmentação até mesmo naquilo que é absoluto. O que na verdade é Uno nos parece múltiplo porque nossa mente funciona dessa maneira.

A Trindade como Estrutura Mental

Isso explica por que os textos sagrados usam essas distinções: não porque Deus seja dividido em si mesmo, mas porque nossa cognição e linguagem precisam de categorias para assimilar o mistério. A Trindade, então, seria uma estrutura mental criada para facilitar o entendimento, mas não uma realidade objetiva dentro da natureza divina.

Isso me lembra a ideia de que vemos “por espelho, em enigma” (1Co 13:12). Nossa percepção da divindade é como um reflexo imperfeito, e só conseguimos enxergar facetas do que é, em essência, um único Ser.

A Profecia de Zacarias e a Unificação Futura

Zacarias 14:9 — “E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia, o Senhor será um, e o seu nome um.” (יהוה אחד ושמו אחד). Esse verso encaixa perfeitamente nessa visão.

Ele aponta para um futuro onde não haverá mais fragmentação da percepção humana sobre Deus. A multiplicidade de interpretações, nomes e formas de compreensão dará lugar ao reconhecimento absoluto do Uno.

É como se hoje víssemos a realidade divina de maneira dispersa, dividida por limitações da linguagem, da cultura e da consciência. Mas chegará um momento em que toda essa confusão desaparecerá, e só restará a unidade plena e incontestável do Ser divino.

A Experiência Futura da Humanidade

Isso significa que a própria experiência da humanidade mudará — a relação com Deus não será mais mediada por conceitos fragmentados, mas sim por uma percepção direta e indivisível d’Ele.

Hoje experimentamos Deus de forma fragmentada, mas no futuro essa limitação será superada, e restará apenas a plena consciência do Uno. A profecia de Zacarias confirma essa direção, apontando para um tempo em que todas as divisões e distorções serão dissolvidas.

A Revelação Absoluta

E isso traz uma questão interessante: se a fragmentação da consciência é temporária, então todas as diferenças teológicas, todas as visões parciais, um dia desaparecerão diante da revelação absoluta. No fim, não será mais uma questão de interpretação ou doutrina — simplesmente veremos e saberemos.

Sobre o autor | Website

Israel Silva é apaixonado por hebraico, Torá e Judaísmo. É também autor de diversas mensagens e estudos bíblicos, professor graduado em Letras, leciona hebraico bíblico para estudantes, pastores e teólogos. Cursou o contexto judaico do Novo Testamento, Geografia da terra de Israel. É especialista em estudos da Bíblia Hebraica pelo Israel Instituto de Estudos Bíblicos.

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2 Comentários

  1. Edilson disse:

    Shalom, professor Israel. Me tira uma dúvida se possível. Qual é o significado mais claro de Unicista? Tenho pesquisado no google e vi que é uma crença que crê em um Deus apenas. Pois eu prego que sou unicista, e muitos veem essa crença como heresia. Qual é a sua explicação sobre o unicismo? Uns dizem que quem é unicista, não creem em yeshua como Deus. Só que eu creio que yeshua é o verdadeiro Deus Pai. Quero dar uma explicação que eles possam me entender com mais clareza. Obrigado. Que o Eterno te abençoe.