“Onde Estás, Adão?” – O Chamado Divino e o Princípio do Juízo

Introdução
A cena em que Elohim chama Adão após sua desobediência no Éden é repleta de profundidade teológica, filosófica e até mesmo jurídica. Em Gênesis 3:9-12, o Criador pergunta:
“Onde estás?” (אַיֶּכָּה – Aieká)
E depois:
“Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore que te ordenei que não comesses?”
Elohim, sendo onisciente, já sabia a resposta. Então, por que Ele pergunta? Esse diálogo parece estabelecer um protocolo de juízo, onde Adão tem a oportunidade de se defender, semelhante a um processo judicial.
Além disso, Adão, que antes estava disposto a compartilhar o destino de Eva, agora a culpa pelo erro. Esse comportamento ressoa com a negação de Pedro diante do julgamento de Yeshua.
Vamos explorar esses elementos à luz da filosofia, da psicologia e da literatura bíblica.
📖 O Texto Bíblico em Hebraico e Português
וַיִּקְרָ֨א יְהֹוָ֤ה אֱלֹהִים֙ אֶל־הָ֣אָדָ֔ם וַיֹּ֖אמֶר ל֑וֹ אַיֶּֽכָּה׃
“E chamou YHWH Elohim a Adão, e disse-lhe: Onde estás?” (Gênesis 3:9)
וַיֹּ֖אמֶר מִֽי־הִגִּ֣יד לְךָ֔ כִּ֥י עֵירֹ֖ם אַ֑תָּה הֲמִן־הָעֵ֛ץ אֲשֶׁר־צִוִּיתִ֥יךָ לְבִלְתִּ֖י אֲכָל־מִמֶּֽנּוּ אָכָֽלְתָּ׃
“E disse: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore da qual te ordenei que não comesses?” (Gênesis 3:11)
⚖️ Um Tribunal Divino no Éden?
No diálogo entre Elohim e Adão, vemos três elementos fundamentais do julgamento:
- Chamado do réu – “Onde estás?” (אַיֶּכָּה – Aieká)
- Interrogatório – “Quem te fez saber que estavas nu?”
- Acusação formal – “Comeste da árvore?”
Isso se assemelha ao procedimento judicial judaico, descrito no Talmud (Sanhedrin 32a), onde um réu deve ser questionado antes da sentença:
“O juiz não pode emitir uma condenação sem antes ouvir a defesa.”
Esse princípio jurídico está na Torá e ecoa na prática judaica posterior. Elohim não condena Adão imediatamente, mas permite que ele fale.
Isso reflete o conceito do “julgamento divino com misericórdia”. Como diz Chazal (nossos sábios), Elohim julga, mas também concede espaço para o arrependimento (Teshuvá).
🔍 “Onde Estás?” – O Chamado Existencial
A pergunta “Onde estás?” não é apenas geográfica, mas existencial. Adão se esconde, mas Elohim o chama.
Segundo a filosofia existencialista, essa é uma pergunta sobre consciência e responsabilidade. Martin Buber, filósofo judeu, explica que o homem vive entre dois modos de existência:
- “Eu-Tu” – Relacionamento autêntico com Deus.
- “Eu-Isso” – Relacionamento objetificado, afastado da essência.
Ao pecar, Adão sai do estado de “Eu-Tu” com Elohim e entra no estado de “Eu-Isso”, sentindo vergonha e tentando fugir.
Isso também ressoa na linguística de Saussure:
- O signo linguístico é dividido em significante (som) e significado (conceito).
- O pecado quebrou a conexão entre a voz de Elohim (significante) e a obediência humana (significado).
Ou seja, Adão já não responde mais a Deus como antes, sua relação mudou.
😨 O Medo e o Esconderijo: Uma Perspectiva Filosófica
Quando Adão diz “Tive medo e me escondi”, ele expressa um dilema filosófico:
- O medo existencial – Segundo Kierkegaard, o pecado gera “angústia”, pois rompe a conexão com o Infinito.
- A ilusão do esconderijo – Para Heidegger, esconder-se é um autoengano, pois a verdade sempre vem à tona.
- O fracasso da fuga – No Midrash, está escrito:
“Para onde fugirá o homem da presença do Eterno? Para onde quer que vá, Ele já está lá.” (Tehilim 139:7-8)
❤️ Onde Está o Amor de Adão por Eva?
Antes de pecar, Adão decidiu compartilhar o destino de Eva, pois não queria perdê-la.
“Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne.” (Gênesis 2:24)
Mas depois do pecado, ele a culpa:
“A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e eu comi.” (Gênesis 3:12)
Isso é um paradoxo psicológico e filosófico:
- Antes do pecado – Adão age por amor e unidade.
- Depois do pecado – Adão age por culpa e separação.
Essa mudança ressoa com o comportamento de Pedro na negação de Yeshua:
“Ainda que seja necessário que eu morra contigo, de modo algum te negarei.” (Mateus 26:35)
Mas depois:
“E Pedro negou-o pela terceira vez e, imediatamente, o galo cantou.” (Mateus 26:75)
O que aconteceu? O medo alterou o comportamento de ambos.
Segundo a psicanálise freudiana, isso ocorre porque o “ego” tenta preservar-se a qualquer custo, criando mecanismos de defesa como:
- Projeção – Adão culpa Eva.
- Fuga – Pedro nega Yeshua.
Na teologia messiânica, Yeshua é o novo Adão (1 Coríntios 15:45). Ele não fugiu e não negou a humanidade, mas se entregou para restaurar o que foi perdido no Éden.
🌿 Conclusão: O Chamado de Elohim Ainda Ressoa
A pergunta “Onde estás?” não foi feita só a Adão. Ela ecoou na história e continua a ressoar hoje.
Cada um de nós, diante de nossas falhas, tem duas opções:
- Nos escondermos e culparmos os outros, como Adão.
- Reconhecermos nossos erros e buscarmos a restauração, como Pedro fez depois de chorar amargamente.
O que Elohim deseja não é condenação, mas arrependimento. Ele já sabia onde Adão estava, mas perguntou para que Adão soubesse onde ele mesmo estava.
Hoje, essa pergunta ainda ressoa: Onde estás?
📖 Referências
- Tanach – Texto Massorético
- Talmud Bavli, Sanhedrin 32a – Julgamento e defesa no direito judaico.
- Midrash Tehilim 139 – Sobre a presença de Elohim.
- Buber, Martin. “Eu e Tu” – Relacionamento com Deus.
- Freud, Sigmund. “O Ego e os Mecanismos de Defesa” – Psicanálise do medo.
- Heidegger, Martin. “Ser e Tempo” – Conceito de fuga e verdade.
- Bíblia, Mateus 26:35-75 – A negação de Pedro.
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