O Mandamento, a Serpente e o Pecado: Romanos 7 e o Retorno ao Éden
O pano de fundo do Gênesis é um dos mais profundos na argumentação de Shaul em Romanos 7. Paulo está evocando deliberadamente a história do Éden como uma matriz espiritual para explicar o mecanismo da queda no presente.
Vamos desenvolver esse tema como um estudo teológico judaico-messiânico, explicando como Paulo reconecta o mandamento da Torá ao mandamento do Éden, e como a serpente de Gênesis é personificada na “natureza caída” que habita o ser humano.
“O pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou e, por meio dele, me matou” (Rm 7:11)
Paulo não está apenas falando de sua experiência pessoal. Ele está reencenando teologicamente o drama de Gênesis 3, onde o primeiro mandamento foi dado — e pervertido.
1. O Mandamento de Deus: Puro, Claro, e Para a Vida
Em Gênesis 2:16-17, o primeiro mandamento é dado:
“De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.”
Esse mandamento, como todos da Torá, é bom, santo e visa preservar a vida. Assim também Paulo afirma:
“A Lei é santa, e o mandamento, santo, justo e bom.” (Rm 7:12)
O problema nunca foi o mandamento. Nem no Éden, nem no Sinai, nem no coração do crente.
2. A Serpente no Éden = A Natureza Caída em Romanos
Gênesis 3:13
“A serpente me enganou, e eu comi.”
Romanos 7:11
“O pecado me enganou e, por meio do mandamento, me matou.”
A simetria é intencional e profunda. Paulo usa a palavra “enganou” (ἐξηπάτησέν) — a mesma raiz grega usada na Septuaginta para traduzir Gênesis 3:13.
Assim como a serpente tomou o mandamento de Deus e o distorceu para provocar queda, Paulo mostra que o pecado (ἁμαρτία), a natureza corrompida, faz o mesmo hoje. A serpente externa virou um princípio interno — uma inclinação à rebelião que habita o ser humano.
3. O Mandamento Torna-se Oportunidade de Tentação
A serpente não criou o desejo proibido. Ela apenas explorou o mandamento para seduzir. Da mesma forma, em Romanos 7:8:
“O pecado, tomando ocasião pelo mandamento, produziu em mim toda sorte de cobiça.”
Isso não significa que o mandamento seja culpado. Ao contrário: o mandamento é como a luz do dia que revela a sujeira escondida. O pecado, como a serpente, manipula o que é santo para seduzir.
A Torá é o fruto da árvore da vida. O pecado faz parecer que é o fruto da morte.
4. “Me Enganou, e Eu Morri”: A Repetição Espiritual do Éden
Gênesis 2:17
“No dia em que comeres, certamente morrerás.”
Romanos 7:10-11
“O mandamento que era para vida, verifiquei que me conduzia à morte. Porque o pecado… me enganou e, por meio dele, me matou.”
O que Adão experimentou, Paulo revive: o mandamento é puro, mas o coração corrompido transforma o bem em ocasião de queda. A morte que Adão conheceu foi espiritual (separação), e Paulo descreve essa mesma alienação causada pelo pecado interno.
5. O Pecado Como “Serpente Interior”
Paulo, como rabino e conhecedor profundo da Torá, entende o pecado não apenas como atos errados, mas como uma força espiritual personificada, semelhante ao que a serpente representa em Gênesis:
-
A serpente questiona, distorce e seduz.
-
O pecado, dentro do ser humano, age da mesma forma.
-
Ambos enganam, ambos conduzem à transgressão, ambos matam.
“Não sou eu quem faz isso, mas o pecado que habita em mim” (Rm 7:17)
Isso não é negação da responsabilidade, mas reconhecimento da escravidão herdada desde Adão.
6. Yeshua: O Novo Adão Que Vence a Serpente
No Éden, Adão foi vencido. Em Romanos 7, todos somos como Adão. Mas há um contraste:
-
Adão falhou diante do mandamento.
-
Yeshua venceu toda tentação (Mt 4), cumpriu a Torá perfeitamente (Mt 5:17), e esmagou a serpente (Gn 3:15) por meio de obediência até a cruz (Fp 2:8).
Em Romanos 8:3-4, Paulo revela que o que a Torá não podia fazer (por causa da carne), Deus fez enviando Seu Filho — para que agora a justiça da Torá se cumpra em nós, que vivemos não pela carne, mas pelo Espírito.
✡️ Conclusão Judaico-Messiânica
-
O mandamento no Éden e na Torá é santo e para a vida.
-
A serpente do Éden virou o pecado que habita o ser humano.
-
A história de Gênesis 3 é revivida em cada transgressão: “me enganou, e eu morri”.
-
A solução não é abolir o mandamento, mas vencer o engano — por meio de Yeshua, o segundo Adão.
Seja o primeiro a comentar!