“O fim da lei é Cristo” – ou: o que realmente diz Romanos 10:4?

Hoje vamos focar exclusivamente em Romanos 10:4 — uma das declarações mais mal interpretadas de Paulo.

Você provavelmente já ouviu alguém dizer:

“Cristo é o fim da Lei. Está escrito! Logo, a Lei acabou.”

Mas… será que foi isso mesmo que Paulo quis dizer?

Texto grego:
Τέλος γὰρ νόμου Χριστὸς εἰς δικαιοσύνην παντὶ τῷ πιστεύοντι.
Télos gar nómou Christós eis dikaiosýnēn pantì tôi pisteúonti.

Tradução tradicional:

“Pois o fim da Lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê.”

À primeira vista, parece que Paulo está dizendo que a Torá chegou ao fim, que Cristo a cancelou, e que agora vivemos num sistema “sem Lei”. Mas essa leitura — muito comum — desrespeita o grego, ignora o contexto judaico de Paulo e distorce completamente sua teologia.

Vamos olhar com atenção.

1. Τέλος (télos) não significa simplesmente “fim”

Sim, télos pode significar “fim” no sentido de término cronológico. Mas esse não é seu único, nem seu principal significado.

Télos também pode significar:

• Objetivo,

• Finalidade,

• Meta,

• Consumação,

• Alvo.

É como se fosse a linha de chegada de uma corrida, o ponto para o qual tudo se dirige. Paulo está dizendo que o Mashiach é o propósito da Torá — o ponto culminante, não o seu descarte.

Imagine uma flecha sendo lançada. A Torá é o corpo da flecha. O alvo — o télos — é o Mashiach.
A existência da flecha não faz sentido se ela não for direcionada a algum alvo.
A Torá é a flecha. Yeshua é o alvo.

2. Paulo está usando “télos” como finalidade revelada, não como abolição

Lembre-se: Paulo era fariseu de formação, profundamente ligado à Torá. Ele nunca afirmou que a Lei era má ou inválida. Muito pelo contrário:

“A Lei é santa, e o mandamento é santo, justo e bom.” (Romanos 7:12)
“Confirmamos a Lei pela fé.” (Romanos 3:31)

Então como poderia, apenas sete capítulos depois, dizer que a Lei acabou?

Ele não diz que a Torá acabou. Ele diz que sua meta foi alcançada — e o nome dessa meta é Yeshua.

3. Contexto: Paulo está falando da justiça que vem pela fé — não do fim da obediência

No capítulo 10 de Romanos, Paulo está comparando dois caminhos diferentes para se alcançar justiça diante de Deus:

• O caminho da justiça pelas obras (ou seja, tentar ser justificado por mérito, por cumprir preceitos sem fé),

• E o caminho da justiça pela fé, que a própria Torá aponta.

Ele cita Deuteronômio 30 (no mesmo capítulo!), onde Moisés fala da palavra que está perto, no coração, e diz que essa é a base da justificação pela fé. Isso mostra que a fé nunca foi separada da Torá — pelo contrário, sempre foi o centro da relação com Deus.

Yeshua, então, não vem contra a Torá, mas vem cumprir o que ela profetizava e apontava: que a verdadeira justiça seria revelada não por esforço humano, mas pela fé no Redentor prometido.

4. “Cristo é o fim da Lei” = “Cristo é o propósito da Torá”

Vamos ler de novo com essa clareza:

Télos gàr nómou Christós
→ O propósito, o alvo, o cumprimento da Torá é o Messias.

Por quê?

eis dikaiosýnēn pantì tôi pisteúonti
→ Para justiça de todo aquele que crê.

Ou seja, o que a Torá buscava realizar — conduzir o ser humano à justiça diante de Deus — agora se revela em sua plenitude no Messias, e só pode ser acessado por meio da fé.

Isso não é o fim da Torá.
É a sua plena realização.

5. O que Paulo está rejeitando? O uso da Torá sem fé

Ele não está rejeitando a Torá como revelação divina. Ele está rejeitando a tentativa de usar a Torá como um sistema meritocrático — como se o simples cumprimento externo de mandamentos pudesse justificar o ser humano diante de Deus.

Isso era algo que muitos fariseus haviam feito: transformado o dom da aliança em um sistema mecânico, que esquecia o coração, a fé, o arrependimento e o Espírito.

Paulo está dizendo: o que a Torá sempre buscou — justiça, retidão, reconciliação — agora é acessível de forma plena em Yeshua, para judeus e gentios, não como substituição, mas como consumação.

Conclusão: O Mashiach é o coração da Torá

Quando Paulo diz que “Cristo é o fim da Lei”, ele está dizendo que Yeshua é o destino da Torá, sua realização, seu sentido mais profundo. Tudo o que a Lei ensina — justiça, santidade, temor do Eterno, redenção — converge n’Ele.

Não se trata de substituir a Torá por outra coisa, mas de ler a Torá com os olhos abertos, o véu removido, reconhecendo o brilho que ela sempre teve — mas que agora resplandece no rosto do Mashiach.

Se você ama a Torá, siga até o fim do seu caminho — e lá você encontrará Yeshua.
Não como fim de algo que morre, mas como plenitude viva da promessa de Deus.