Análise do Verbo ‘Barah’ em Gênesis 1:1: Uma Perspectiva Linguística, Teológica e Filosófica

Shalom, amigos! Hoje, proponho uma análise aprofundada do verbo ‘barah’ (בָּרָ֣א) em Gênesis 1:1, explorando suas implicações linguísticas, teológicas e filosóficas.

Embora essa palavra seja tradicionalmente traduzida como “criou”, uma investigação minuciosa pode revelar significados mais complexos, que passam despercebidos em traduções convencionais.

Texto Hebraico e Transliteração

Primeiro, apresentamos o texto original acompanhado de transliteração e tradução tradicional:

“No princípio criou Deus o céu e a terra”. Genesis 1:1

“E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas.

3 E disse Deus: Haja luz; e houve luz”. Genesis 1:2-3

בְּרֵאשִׁ֖ית בָּרָ֣א אֱלֹהִ֑ים אֵ֥ת הַשָּׁמַ֖יִם וְאֵ֥ת הָאָֽרֶץ׃

Bereshit BARAH Elohim et hashamáyim veet haáretz.

וְהָאָ֗רֶץ הָיְתָ֥ה תֹ֙הוּ֙ וָבֹ֔הוּ וְחֹ֖שֶׁךְ עַל־פְּנֵ֣י תְה֑וֹם וְר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים מְרַחֶ֖פֶת עַל־פְּנֵ֥י הַמָּֽיִם׃

Vehaáretz hayetah tohu vavohu vechosher al pnei tehom veruach Elohim merachefet al pnei hamáyim.

וַיֹּ֥אמֶר אֱלֹהִ֖ים יְהִ֣י א֑וֹר וַֽיְהִי־אֽוֹר׃

Vayiômer Elohim yehi or vayehi or.

A terra foi criada pronta e acabada?

Se aceitarmos que o verbo barah deve ser traduzido no tempo verbal do passado perfeito (criou), essa tradução trará o entendimento de que a terra e o céu foram criados e acabados logo no início da criação, constituindo-se em uma ação completa.

Com base nesse significado, muitos teólogos alegam que o Gênesis 1:1 é uma declaração abrangente que resume todo o processo de criação.

Entretanto, pode haver um flagrante estado de contradição com as orações circunstanciais que se seguem e que descrevem o vazio e desorganizado planeta, incapaz de abrigar a vida.

“E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo…”

Se o primeiro verso da bíblia é um resumo do toda a criação, por que o verso seguinte não confirma essa interpretação?

QATAL e Vayiqtol: O Passado Relativo

Ocorre que grande parte dos tradutores ignoraram que o verbo barah está em uma forma de conjugação do hebraico bíblico, chamado de QATAL.

Este modelo é usado para sim expressar o passado, porém em ocasiões em que é utilizado em primeira pessoa, quando um personagem estiver diretamente usando o verbo.

Neste texto temos uma narrativa, os eventos normalmente são encadeados com outra forma de conjugação verbal chamada de Vayiqtol (lê-se vaikitol).

No verso 1:3 encontrarmos “E disse Deus…”, em hebraico é usado o verbo na forma mais comum para narrar uma história, וַיֹּ֥אמֶרVaiômer”.

Então por que o verbo “barah” (supostamente “criou”) não foi conjugado na forma usual para uma narrativa, para contar uma história, a história da criação?

Porque quando usado próximo a um outro verbo conjugado no passado feito com o Vayiqtol, o modelo do QATAL expressa uma ação que ocorreu antes de outra ação.

Explico; o primeiro verbo usado na forma usual para narrar uma história em Gênesis está no verso 1:3 “וַיֹּ֥אמֶר Vayiômer Elohim”, “E disse [Deus]…”.

Usando a forma do Vayiqtol, se constitui no passado principal desse trecho. Aqui se marca o início da narrativa principal de todo esse capítulo.

E se o versículo 1:3 é o início da narrativa principal, (a criação ou a revelação da luz), o que seria o verso 1:1?

A Questão Temporal do Verbo ‘Barah’

O Gênesis 1:1 descreve um evento de pano de fundo (uma ação que ocorreu antes de outra ação).

Uma informação anterior ao ato da “criação” da luz, pois o verbo” barah” conjugado no modelo do QATAL deveria ter sido traduzido como “No princípio Deus tinha criado o céu e a terra”, e o verso 1:2 descreve o resultado dessa criação, “E a terra estava [sem forma?] e vazia…

O verso 1:3 inicia o processo de ordenação e preparação para o surgimento do bem maior existente nesse mundo, a vida.

Por isso o verbo barah no QATAL deveria seguir a tradução do pretérito mais-que-perfeito composto do indicativo, “tinha criado”.

Os componentes da narrativa bíblica.

Além desse fator gramatical, também foram ignoradas a Teoria Literária e a Narratologia, que dentro das estruturas disjuntivas, nos apresentam alguns componentes da narrativa bíblica, tais quais:

  1. Personagens;
  2. Lugar; e
  3. Tempo.

Neste caso do Gênesis 1:1-3, o componente da narrativa que mais se destaca é o “tempo”, que foi demarcado com a mudança da estrutura das conjugações verbais para expressar o passado.

O autor usou o modelo chamado de QATAL, ao invés de utilizar a forma mais esperada em uma narrativa, que seria o chamado modelo do Yiqtol.

Mas o que desejo explicar é que o narrador intencionalmente interrompeu o curso da narrativa primária (a criação da luz), por meio do uso desses modelos verbais.

Essas mudanças de tempo são interrupções da narrativa primária que geralmente marcam subunidades (divisões no texto) dentro de uma cena ou episódio.

O uso desse recurso literário fez com que fosse criada na estrutura do Genesis 1:1-3, uma subunidade literária do verbo “barah”, que se torna em um tipo de informação prévia ou pano de fundo que pode ser chamada de Epítome Introdutório.

Conclusão

A análise do verbo barah revela uma riqueza de detalhes linguísticos e narrativos frequentemente ignorados. A forma QATAL sugere um pano de fundo para os eventos descritos a seguir, alinhando-se melhor com a sequência lógica da narrativa.

Essa compreensão impacta a teologia da criação, abrindo espaço para novas leituras. Além disso, uma abordagem educacional bem estruturada pode auxiliar estudantes de hebraico bíblico a compreenderem essas diferenças de maneira significativa.

A exploração de Gênesis 1:1 é um exemplo de como a interseção entre linguística, teologia, filosofia e educação pode enriquecer nossa percepção das Escrituras.

Sobre o autor | Website

Israel Silva é apaixonado por hebraico, Torá e Judaísmo. É também autor de diversas mensagens e estudos bíblicos, professor graduado em Letras, leciona hebraico bíblico para estudantes, pastores e teólogos. Cursou o contexto judaico do Novo Testamento, Geografia da terra de Israel. É especialista em estudos da Bíblia Hebraica pelo Israel Instituto de Estudos Bíblicos.

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