A Voz que Passeava no Jardim: Um Estudo Judaico-Messiânico à Luz da Linguística e da Filosofia

Introdução
A narrativa do Éden é um dos relatos mais enigmáticos das Escrituras. No livro de Bereshit (Gênesis) 3:8, encontramos uma cena misteriosa: Adão e Chava (Eva) ouvem a Voz de Elohim passeando pelo jardim. Como pode uma voz passear? O que esse texto significa do ponto de vista linguístico, filosófico e teológico?
Neste estudo, mergulharemos no hebraico bíblico, na literatura e filosofia antiga, explorando também a linguística de Saussure e Chomsky, além de conceitos do pensamento judaico e messiânico. Vamos examinar a relação entre a Voz (ק֨וֹל – qol) no hebraico e o Logos (Λόγος) do Evangelho de João.
📜 O Texto Bíblico em Hebraico e Português
וַֽיִּשְׁמְע֞וּ אֶת־ק֨וֹל יְהֹוָ֧ה אֱלֹהִ֛ים מִתְהַלֵּ֥ךְ בַּגָּ֖ן לְר֣וּחַ הַיּ֑וֹם וַיִּתְחַבֵּ֨א הָֽאָדָ֜ם וְאִשְׁתּ֗וֹ מִפְּנֵי֙ יְהֹוָ֣ה אֱלֹהִ֔ים בְּת֖וֹךְ עֵ֥ץ הַגָּֽן׃
“E ouviram a voz de YHWH Elohim que passeava no jardim pela viração do dia; e esconderam-se o homem e sua mulher da presença de YHWH Elohim, entre as árvores do jardim.” (Bereshit/Gênesis 3:8)
📖 A Voz (ק֨וֹל – Qol) como Expressão do Infinito
O hebraico ק֨וֹל (qol) significa “voz”, mas também pode se referir a som, proclamação ou chamado. No contexto bíblico, a Voz de Elohim representa a manifestação da Sua presença no mundo físico. Isso ressoa com a ideia do Logos (Λόγος) no Evangelho de João:
“No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus.” (João 1:1)
O conceito do Logos vem da filosofia grega, especialmente de Heráclito, para quem o Logos era a razão ordenadora do cosmos. No pensamento judaico, essa ideia se alinha à Sabedoria divina (חָכְמָה – Chokhmah), descrita em Provérbios 8 como um agente ativo na criação.
Assim, podemos entender que a Voz no Jardim não é uma entidade separada de Elohim, mas sim Sua manifestação no mundo físico – uma presença perceptível, mas ainda parte do Eterno.
📜 A Voz como Expressão da Revelação
No pensamento rabínico, há uma forte tradição de que a Voz de Elohim (Qol Hashem) é a forma como o Infinito se comunica com o finito. O Midrash Bereshit Rabbah comenta que a “voz” de Deus no jardim era um chamado à consciência de Adão, uma convocação ao arrependimento.
Isso nos remete a um conceito-chave do pensamento messiânico:
O próprio Yeshua é a manifestação plena da Voz divina na história.
No livro “The Great Mystery: Or, How Can Three Be One”, R’ Tzvi Nassi explica que a unidade de Elohim pode ser entendida na dimensão terrena e transcendental. Assim como a Voz e a Palavra não são separadas da pessoa que as emite, Yeshua é a plena expressão de Elohim na criação.
Isso é reforçado pelo Targum Onkelos, que frequentemente traduz a presença de Elohim como “Memra de YHWH” (Palavra de YHWH), conceito paralelo ao Logos de João 1.
🎭 A Personificação na Literatura Bíblica
A Bíblia frequentemente personifica conceitos abstratos. Isso é um recurso literário comum na poesia hebraica e na literatura antiga, como vemos na Sabedoria (חָכְמָה – Chochmah) em Provérbios 8 e na própria Torá, descrita como uma instrutora viva.
A personificação da Voz de Elohim no Éden pode, portanto, ser entendida como um recurso literário e teológico. No entanto, essa voz não é uma mera metáfora – ela aponta para a manifestação real do Eterno no mundo físico.
Esse conceito de mimesis e verossimilhança na literatura antiga nos ajuda a perceber que, para o povo de Israel, o relato da Voz no Jardim não era apenas um símbolo, mas uma realidade concreta da manifestação divina.
📚 Conexões Filosóficas e Linguísticas
Se aplicarmos a linguística estrutural de Saussure, podemos entender a Voz de Elohim como um signo linguístico onde o significante (o som da voz) remete ao significado (a presença de Elohim).
Já na visão de Noam Chomsky, a linguagem tem uma estrutura profunda e universal, sugerindo que a ideia da Palavra/Voz divina como criadora está impressa na própria natureza da linguagem humana.
Na filosofia grega, os pré-socráticos, como Heráclito, já entendiam o Logos como um princípio organizador. Platão e Aristóteles viam a Palavra como um meio de conhecimento, algo que ecoa na tradição judaica, onde a Palavra de Elohim é a fonte da realidade.
🌿 Conclusão: A Voz Que Chama o Homem
O relato de Bereshit 3:8 não apenas descreve um evento histórico, mas traz uma mensagem profunda sobre a relação entre Elohim e a humanidade. A Voz no Jardim revela:
- A manifestação do Eterno no mundo físico – Yeshua como a Palavra viva.
- A comunicação divina com o ser humano – O chamado ao arrependimento e retorno.
- A presença de Elohim na criação – A Torá como expressão da Sua vontade.
Assim como Adão ouviu a Voz no Jardim, cada um de nós continua sendo chamado pela Voz de Elohim. O desafio é: estamos ouvindo e respondendo a esse chamado?
📖 Referências
- Tanach – Texto Massorético.
- Evangelho de João – Texto do Novo Testamento.
- Midrash Bereshit Rabbah – Comentário rabínico sobre Gênesis.
- Targum Onkelos – Tradução aramaica do Pentateuco.
- Nassi, Tzvi. (1863). “The Great Mystery: Or, How Can Three Be One”.
- Chomsky, Noam. (1957). “Syntactic Structures”.
- Saussure, Ferdinand de. (1916). “Curso de Linguística Geral”.
- Aristóteles. “Poética” – Sobre a mimesis na literatura.
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Shalom, Professor Israel.
Preciso ler com mais afinco.
Texto que me veio à mente;
João 10:27: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem”.
Shalom, Shalom!!!!!