A Gestalt da Criação: Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim em uma Perspectiva Não Convencional

Este artigo explora Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim sob a ótica da Gestalt, da filosofia da linguagem e da psicologia da percepção. Analisa como a mente humana organiza a experiência divina em figura e fundo, conectando a Trindade a princípios universais de cognição e representação simbólica.
“No princípio, criou Elohim os céus e a terra…” – Gênesis 1:1
“E o Espírito de Elohim pairava sobre a face das águas…” – Gênesis 1:2
“No dia em que Adonai Elohim fez a terra e os céus…” – Gênesis 2:4
A relação entre Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim em Gênesis pode ser abordada sob diferentes perspectivas. Tradicionalmente, a teologia cristã vê essas manifestações como expressões da Trindade.
Mas e se ampliarmos essa análise para além dos limites da tradição teológica estabelecida? Podemos recorrer à Gestalt, à filosofia da linguagem, à psicologia cognitiva e à fenomenologia para repensar essas expressões divinas e sua relação com a percepção humana.
1. Figura e Fundo: Elohim como Percepção Gestáltica
A Teoria da Gestalt sugere que nossa mente organiza a realidade em padrões de percepção. Em uma imagem ambígua, como a ilustração do vaso de Rubin, ora enxergamos um vaso, ora dois perfis humanos. Jamais ambos ao mesmo tempo. Aplicando essa lógica ao texto bíblico:
- Elohim (אֱלֹהִ֑ים) – A totalidade indistinta da divindade, antes da diferenciação perceptiva.
- Ruach Elohim (ר֣וּחַ אֱלֹהִ֔ים) – O Espírito emergindo do fundo caótico, como figura em contraste com o universo em formação.
- Adonai Elohim (יְהֹוָ֥ה אֱלֹהִ֖ים) – A divindade relacional e personalizada, diferenciada e manifesta.
Assim como na percepção gestáltica não conseguimos ver simultaneamente figura e fundo, a experiência humana da divindade parece fragmentada. Entretanto, na realidade última, Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim são aspectos do mesmo princípio divino, cuja percepção varia conforme o contexto.
2. Platão e a Hierarquia do Ser: O Princípio e o UNO
Platão propôs a distinção entre o mundo das ideias e o mundo material. A criação de Elohim pode ser entendida como uma transição da ideia perfeita (o Princípio) para sua manifestação no tempo e espaço.
- O UNO (ἕν) da filosofia neoplatônica equivale a Elohim – o ser absoluto e transcendente.
- O Nous (νοῦς) pode ser associado a Ruach Elohim – a inteligência ativa que dá forma à matéria.
- A Psyche (ψυχή) pode estar conectada a Adonai Elohim – a presença divina que interage com a criação.
Dessa forma, Elohim não seria “três em um” no sentido trinitário tradicional, mas um único princípio manifestando-se em diferentes níveis de percepção, assim como uma ideia se concretiza em uma forma material e depois em uma representação.
3. A Traição das Imagens: Elohim e a Linguagem

René Magritte, em sua pintura A Traição das Imagens, ilustra um paradoxo: desenha um cachimbo e escreve “Isto não é um cachimbo”. O significado está na distinção entre o objeto real e sua representação.
Se aplicarmos isso ao texto bíblico:
- Elohim não é Elohim, no sentido de que o nome divino é apenas um signo, uma tentativa humana de descrever uma realidade inefável.
- Ruach Elohim não é vento ou espírito, mas um conceito que ultrapassa a experiência sensorial.
- Adonai Elohim não é um “senhor” no sentido literal, mas um nome simbólico para a manifestação divina no mundo.
Assim como o cachimbo de Magritte não pode ser fumado (por ser uma pintura), os nomes de Deus não podem ser tomados como sua essência literal.
4. Psicologia da Educação e Construção do Significado
A maneira como apreendemos a divindade segue padrões de aprendizado. Algumas teorias podem nos ajudar a entender essa construção:
- Cognitivismo: Nossa percepção de Elohim é moldada por esquemas mentais pré-existentes. Assim como aprendemos que um elevador tem botões, aprendemos que “Deus” é associado a certos atributos culturais.
- Gestalt: A figura divina emerge conforme organizamos os estímulos recebidos. A divindade pode ser percebida de diferentes formas a depender do contexto cultural e histórico.
- Psicanálise: Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim podem representar diferentes dimensões do inconsciente coletivo – o Deus transcendente, o Deus que se move na criação e o Deus pessoal.
5. A Trindade como Princípio Universal
As antigas religiões frequentemente possuíam tríades divinas. A Tríade Capitolina de Roma (Júpiter, Juno e Minerva), a tríade hindu (Brahma, Vishnu e Shiva), e até o conceito egípcio de Osíris, Ísis e Hórus refletem uma estrutura semelhante.
E se a Trindade for menos uma entidade metafísica e mais uma percepção cognitiva? Podemos perceber a realidade em três dimensões, em passado, presente e futuro, em tese, antítese e síntese. Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim podem ser expressões dessa mesma estrutura universal.
Conclusão
Ao examinar Elohim, Ruach Elohim e Adonai Elohim sob a ótica da Gestalt, da filosofia da linguagem, da psicologia da educação e da metafísica platônica, percebemos que o conceito da divindade pode ser estruturado conforme a capacidade humana de organizar e interpretar a realidade.
Não se trata de uma mera teologia trinitária tradicional, mas de um princípio fundamental da percepção:
- Elohim é o UNO invisível, a totalidade indistinta.
- Ruach Elohim é a figura emergente, a energia criativa.
- Adonai Elohim é a manifestação concreta, a interação com a criação.
Assim como não podemos ver simultaneamente figura e fundo, também não percebemos todas as dimensões da divindade ao mesmo tempo. Nossa mente fragmenta o todo em partes compreensíveis. Mas Deus, por ser absoluto, se manifesta integralmente – nós é que O experimentamos em momentos distintos.
Dessa forma, a Trindade pode ser entendida não como três “pessoas” separadas, mas como diferentes aspectos da mesma realidade essencial, acessíveis de formas distintas dependendo do contexto e da percepção.
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